Meu colega Francisco, Professor de História, costuma presentear com
textos. Vira e mexe, lá está ele com um livro, um conto, um artigo, uma
notícia...
Estávamos em HTP (horário de trabalho pedagógico coletivo), no espaço
da biblioteca e , num intervalinho, foi
até à estante e trouxe um volume. Livro aberto, interpelou-me: “Já leu isto?”
Mila
Era pouco maior
do que minha mão: por isso eu precisei das duas para segurá-la, 13 anos atrás.
E, como eu não tinha muito jeito, encostei-a ao meu peito par que ela não
caísse, simples apoio nessa primeira vez. Gostei desse calor e acredito que ela
também. Dois dias depois, quando abriu os olhinhos, olhou-me fundamente:
escolheu-me para dono. Pior: me aceitou.
Foram trze anos
de chamego e encanto. Dormimos muitas noites juntos, a patinha dela em cima do
meu ombro. Tinha medo de vento. O que fazer contra o vento?
Amá-la _ foi a
resposta e também acredito que ela entendeu isso. Formamos, ela e eu, uma dupla
dinâmica contra as ciladas que se armam. E também contra aqueles que não
aceitam os que se amam. Quando meu pai morreu, ela se chegou, solidária,
encostou sua cabeça em meus joelhos, não exigiu minha a festa, não queria
disputar espaço, ser maior que a minha tristeza.
Tendo-a ao meu
lado, perdi o medo do mundo e do vento. E ela teve uma ninhada de nove
filhotes, escolhi uma de suas filhinhas e nossa dupla ficou mais dupla porque
passamos a ser três. E passeávamos pela Lagoa, com a idade ela adquiriu “fumos
fidalgos” como Dom Casmurro, de Machado de Assis. Era uma lady, uma rainha de Sabá numa liteira inundada de sol e
transportada por súditos imaginários.
No sábado,
olhando-me nos olhos, com seus olhinhos cor de mel, bonita como nunca, mais que
amada de todas, deixou que eu a beijasse chorando. Talvez ela tenha
compreendido. Bem maior do que minha mão, bem maoir do que oque o meu peito,
levei-a até o fim.
Eu me considerava
um profissional decente. Até semana passada, houvesse o que houvesse, procurava
cumprir o dever dentro de minhas limitações. Não foi possível chegar ao
gabinete onde, quietinha, deitada a meus pés, esperava que eu acabasse a
crônica para ficar com ela.
Até o último
momento, olhou para mim, me escolhendo e me aceitando. Levei-a em meus braços,
apoiada em meu peito. Apertei-a com força, sabendo que ela seria maior do que a
saudade.
CONY, Carlos
Heitor. Mila. In: SANTOS, Joaquim
Ferreira dos. As cem Melhores Crônicas
Brasileiras. Rio de Janeiro: Objetiva, 2007.
Nem bem acabei a leitura, e as lágrimas pediam passagem. Saí às pressas
para ter privacidade e chorar todas as lembranças que a crônica evocara.
Como podia tanta semelhança? Após a catarse, pensei: a não ser por
pouquíssimos detalhes aquela historia era
minha e da minha Joy. Uma Ducshund vermelha que viveu comigo 14 anos...
Guardei o presente no coração!
Janeiro de 2013. Saí para passear com a Rebeca. Enquanto ela cheirava a
calçada defronte nossa casa, pareceu-me vislumbrar uma criatura dentro do
ônibus em ruínas que apodrecia a céu aberto no terreno baldio. Atraí Rebeca
mais para perto e confirmei: por trás do volante, no banco do que havia sido de
motoristas, ela dirigia seu destino. Sozinha.
Fui para casa com aquela visão... e ativada compaixão.
Voltei algumas vezes para alimentá-la. Arredia no princípio. Tinha de lhe
dar um nome para ela saber que era eu que chegava. E por que, na minha cabeça,
tudo precisa ser chamado por um nome. MILA. Foi o primeiro que surgiu. E nem
sequer me lembrei da crônica, foi automático. Ela acolheu e atendia em nossos
primeiros passeios.
Vim a conhecer o senhor que a deixara no ônibus. Nem cheguei a ficar com
raiva pelo abandono. Ele aparecia para alimentá-la. Não chegou a explicar seus
motivos, mas revelava inquietação pelo bem-estar de nossa amiga. Ajudou para a
castração e tudo.
Após a castração, ela precisava de um lugar para se restabelecer e foi
ficando em nossa casa e em nosso
coração...Está até agora.
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